quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Entre Versos- A Revolta da Chibata e o negro João Cândido

Título: A Revolta da Chibata
Autor: Jota Rodrigues

Grande Deus, mestre e juiz
Justiça que nunca falta
Ilumina este teu servo
A quem deste cultura nata
Com inspiração e saber
Pra que eu possa descrever
A Revolta da Chibata
No Brasil de antigamente
Vivia-se a lei do cão
O negro pobre não tinha
Direitos de cidadão
Privilégios não teria
Conceito ou cidadania
Liberdade ou posição
Cada negro que nascia
Já nascia condenado
A ser produto de venda
E como escravos leiloados
Bons físicos, boa estatura
Crescia mais a fatura
Pra os fazendeiros malvados
E a Marinha Brasileira
Com toda pompa e brancura
A maior corporação
Em conceito e estrutura
Pegava negros a laços
E nos porões sem embaraços
Mantinha-os em escravatura
E na tão famosa escola
De aprendiz de marinheiros
Os recrutas era obrigados
A servir três anos inteiros
Tinham comida pra porcos
Palmatória, relho e socos
Por castigos costumeiros
E se em qualquer coisa o marujo
Saísse da disciplina
Tinha como punição
A chibata assassina
Algemado as duas mãos
E o carrasco entrava em ação
Fazendo a carnificina
Havia o carrasco Alípio
E o Luís Apicuim
Dois monstros encarregados
Para as torturas sem fim
Que enfiava agulhas de aço
Numa corda de cima embaixo
Pra fazer o tal festim
Em uma vasilha d'água
A grossa corda embebia
E das agulhas de aço
Somente as pontas se via
E de cada chibatada
Da carne dilacerada
O sangue em bicas corria
Todo castigo era pouco
Para a pobre marujada
Que muitas vezes doente
E com as forças debilitadas
O remédio era o trabalho
E se mostrasse ponto falho
Entrava na chibatada
E por pequenos motivos
Os marujos era enquadrados
Recolhidos nos porões
Como cães envenenados
Morrendo de sede e fome
Feitos bicho lobisomem
E ainda mais algemados
E quando o infeliz recruta
A sua pena cumpria
Os oficiais das casernas
Davam carta de alforria
Porém já com plano sujo
Assassinava o marujo
Que vivo nunca saía
Só no Satélite cargueiro
Depois de ser anistiados
Centenas de infelizes
Foram brutalmente fuzilados
Já a um passo da liberdade
E partem pra eternidade
Com os pés e mãos algemados
E num calabouço perdido
Que na ilha das Cobras havia
O extermínio de recrutas
Cruelmente acontecia
Eram assassinados com cal
Numa catacumba brutal
E os governos se omitiam
E tanto que na Marinha
Ninguém queria ingressar
Só os desafortunados
Vinham se sujeitar
Preto, pobre ou desvalidos
Pelas elites esquecidos
Queriam se aventurar
E isso forçava a Marinha
A usar a lei do cão
Pegando jovens a laços
Pra sua corporação
E como se fossem cachorros
Pobres ou pretos dos morros
Entravam pra escravidão
Mas a justiça divina
É reta e nunca nos falta
E no Rio Grande do Sul
Segundo a história nos trata
Num lar de escravos nascia
João Cândido, o herói que haveria
De extinguir a chibata
João Cândido Felisberto
Aos quatorze anos ingressava
Na escola de Marinha
E aos quinze já se enganjava
E como um feliz marinheiro
Partiria pro estrangeiro
E já navios comandava
Dotado de inteligência
E humildade sem par
Aprendeu todos mistérios
E a convivência com o mar
Foi grande sindicalista
O ofício que deu-lhe a pista
Das lutas que ia enfrentar
E viajando pela Europa
Bons navios a comandar
E nos clamores dos marujos
Não parava de pensar
E foi jurando dia-a-dia
Que com aquela tirania
Haveria de acabar
E no fundo da Guanabara
Ao raiar de um novo dia
Duzentas e cinqüenta vezes
A chibata descia
No corpo de um marinheiro
Que com a dor e o desespero
Desfalecido caía
E mesmo depois de caído
A chibata não parou
João Cândido e a marujada
Estarrecido ficou
Vendo do pobre coitado
Todo o sangue derramado
E a revolta começou
Outrora outras revoltas
Houve e todas fracassou
Porém esta da chibata
João Cândido sendo o mentor
Prendeu os oficiais
E do navio Minas Gerais
Todos canhões disparou
E o marechal Hermes da Fonseca
Sua posse festejava
E João Cândido com a marujada
Outros navios tomava
Os canhões roncavam fortes
E já feridos e muitas mortes
Nas ruas se amontoava
Dos tiros vinha o clarão
Qual um dilúvio de prata
E num ultimato João Cândido
Gritava abaixo a chibata
Anistia para os marujos
Ou tem fim o jogo sujo
Ou muita gente se mata
E o presidente conhecendo
Que todos estavam perdidos
Ou atendia aos rebeldes
Ou seriam destruídos
Erguei bandeira de paz
E ordena aos oficiais
Atender todos pedidos
E todas reivindicações
O presidente assinou
E João e seus companheiros
O poder de fogo cessou
Os mortos foi sepultados
Os feridos hospitalizados
E tudo se normalizou
Mas depois de anistiados
João Cândido e a marujada
A um passo da liberdade
Caíram noutra cilada
São presos em uma masmorra
E sem ter quem os socorra
Morreram à fome e à pancada
E só dois marujos escaparam
Da masmorra cavernosa
João Cândido já desnutrido
Contrai a tuberculose
E em São João de Meriti
Morreu pobre sem o porvir
Da Marinha gloriosa
E sem honras, glória ou medalha
João Cândido foi sepultado
O bravo almirante negro
Como um indigente coitado
Morreu quase de esmola
Em uma pequena casinhola
Um herói injustiçado
E hoje só recordação
Deste herói negro ficou
Que a lei seca da chibata
Junto à Marinha acabou
Os seus feitos e sua história
Todos guardamos em memória
A tua fibra e valor
Recomendo aos pracinhas
O cuidado e atenção
De quando entrar pra Marinha
Risque a discriminação
Guardem toda a história de
Um grande herói sem glória
E exemplo desta nação

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